segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Efeito contrário… ou esperado


Há alguns anos, uma garota com quem estava saindo me disse que uma amiga havia perguntado se ela ficava comigo por pena. A resposta, segundo ela, foi ‘lógico que não. Ele é uma pessoa inteligente, divertida...’. Era um sinal de como a maioria da população ainda vê uma pessoa com deficiência. Talvez por isso sempre tenha sido difícil para eu me relacionar com garotas que não me conheciam antes. Preciso quebrar o estereótipo, mostrar que sou muito mais do que meus movimentos diferentes e para isso nada melhor do que uma boa conversa, o que nem sempre é possível numa boate com música nas alturas. Vida que segue, vários nãos, medo, um filme, alguns beijos e relacionamentos depois, aparece uma pessoa muito querida no meu caminho. Nas primeiras vezes ela ficou sem jeito, sem saber o que fazer, e eu mostrei que não era diferente de ninguém, apenas tinha uma maneira própria, a minha, como todos têm. E veio o carnaval. A fantasia dizia ‘Você sabia... que apenas 7% das pessoas já ficaram com uma pessoa com deficiência? E aí, vamos aumentar essa estatística?!?!’. O esperado: a foto fez sucesso entre os amigos. Não vale nada, cafajeste, safadão, inovador, melhor que nós temos. No bloco, o(a)s mesmo(a)s amigo(a)s levaram na sacanagem. 'Tamo' junto, galera, a ideia é essa! Das amigas, o máximo que consegui foi um beijo na bochecha. O contrário: as garotas que eu não conhecia e que pararam para ler a camisa e depois a placa tiveram a seguinte reação: vários ‘awn’ acompanhados de olhares de pena. Pensaram ‘tadinho dele, não pega ninguém e teve que apelar pra placa pra conseguir se dar bem no carnaval’. Efeito contrário ou esperado de um mundo que, em parte, ainda não enxerga pessoas com deficiência como pessoas capazes de levar vidas ‘normais’, trabalhar, ter relacionamentos e constituir famílias. Precisamos falar, botar a boca no trombone, aparecer! Essa estatística ainda está muito baixa...

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Catorze

Fiquei te devendo uma resposta ontem, B B.

Foram 13 as meninas que beijei antes de te conhecer.

10 delas depois do Como Seria?

Me ajudou a destravar, te falei.

O mais longe que tinha ido era um mês. Apareceu um ex-namorado e a levou embora.

Chorei.

Agora também estou com um nó na garganta. Provavelmente vou terminar o texto com os olhos cheios d’água.

Escrever me faz bem.

Ajuda a botar pra fora.

Estou triste, não vou negar. Mas não é por sua causa. É pela viagem que interrompeu o que mal tinha começado.

A Europa faz parte da nossa curta história. O início lá no quarto de hotel em Munique e você indo pra Estrasburgo daqui a pouco.

Vou sentir falta do rapaaaz,

De me passar por seu irmão na portaria do seu prédio,

Da sinceridade que só alguém que gosta de verdade tem pra falar certas coisas,

Dos abraços,

Do beijo,

De você adormecer no meu ombro,

De acordar do lado,

De você, B!

Obrigado por tudo, moça!

Te vejo na volta.

Tenho um filme pra fazer! =)

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Bolos e nãos

O de hoje foi mais dolorido do que vários. Foi um combo. Mistura de cada um. Mexeu com meu maior e mais profundo medo. Quando o homem forte que lida superbem com a paralisia cerebral fica frágil e deseja, ainda que por pouco tempo, não ter nada, ser 'normal'. 

O primeiro não foi há 19 anos, eu acho. Era a menina mais bonita da turma. Aos 12 anos ninguém sabe muito bem o que fazer pra dar o primeiro beijo. Tinha aniversário de uma amiga do colégio e mandei carta escrita na máquina. Fui conversar com ela e a resposta não foi a esperada e me travou por muito tempo. 

Foram inúmeros amores platônicos ao longo dos anos. Não conseguia demonstrar que queria e na hora H, quando me soltava, era sempre o famoso 'Eu gosto tanto de você, mas como amigo, tá?'. Ah, se fosse hoje. Certeza que teria respostas melhores para isso...

E assim passou o tempo. Até que uma menina me adicionou na rede social. Disse que me achava lindo e que me procurava desde a semana santa do ano anterior quando tinha me visto em Maromba. Com ela dei meu primeiro beijo, no cinema.

À conta-gotas continuou, por mais outros anos. Me interessava, aproximava, gostava e não conseguia dar o passo adiante. Sempre o quase, a dúvida 'será que vai querer ficar comigo por ter a deficiência'. Ouvi 'você é o cara certo na hora errada', 'Vai encontrar alguém melhor', etc. Resultado: serei padrinho de duas grandes amigas que vão casar esse ano.

Comecei a melhorar quando falei sobre isso, ainda que de forma tímida, em Como Seria?. Eu talvez tivesse mais desenvoltura e não travasse na hora de chegar nas mulheres se não tivesse a paralisia cerebral que afeta minha coordenação motora. Sim, ainda fico receoso, na dúvida e sei que isso vai me acompanhar sempre. Será que vai atrapalhar? Vai querer mesmo assim? 

Como sempre, as respostas variam. Mas já consigo perceber melhor quando ela realmente quer. E apesar do revés de hoje, tem dado certo. 

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Um bom ano

Começou estranho. Por opção passei a virada em casa. Festas caras e zero disposição para programas de índio ou lugares com muita gente. Dormi. Acordei e fui ao cinema no primeiro dia do ano. Meu programa predileto para fazer sozinho. Já não me lembro o que vi.
Faltava entregar o último episódio da série. Agora, no final, não consegui fechar o primeiro de outra. Que tudo seja mais simples no próximo que começa daqui a pouco.
Dois projetos selecionados numa chamada pública. Memórias de uma cidade sem cinema há quase 30 anos; fotógrafos e suas memórias das manifestações do ano passado.
Um concurso de vídeos inspiradores. Três minutos sobre como seria minha vida sem a paralisia cerebral que mudaram minha vida. Mais de 26 mil visualizações na internet. Foi para a TV com um corte. Não pode palavrão em rede nacional às 10h da manhã. Virei o amigo da apresentadora. Ganhei três irmãos, pai, mãe, avós, tios, primos... Dei mais valor à família oficial. Sem eles eu não existiria.
Meninas, mulheres. Reencontros, rupturas e surpresas. Uma professora me mostrou ser uma besteira meu maior medo. Não, a deficiência não é uma barreira para quem quer estar comigo. Aos poucos vou aprendendo a vencer meu maior adversário, eu mesmo.
Dei palestras. Algo inédito até então. Na primeira, estava supernervoso. Passou quando comecei a falar para aquelas carinhas atentas de nove anos de idade. Na última visita à escola ouvi: 'Oi, Daniel! Tira uma foto comigo?' Fiz a selfie e ri.
Voltei às paredes e muros. Veio um convite para um campeonato em São Paulo. Treinei para ele. Estava apreensivo. Subi. Cada agarra conquistada parecia gol do Flamengo. Fiquei feliz com o resultado. Ganhei medalha e até, o que ainda soa estranho para mim, fãs.
Termina bem. Projetos antigos prontos para virarem realidade. Novas ideias. O trabalho reconhecido. Mais passos de editor. Outros de diretor. Novos de roteirista. Pessoas interessantes. A certeza de que tenho que fazer dois filmes. E uma frase. Não basta estar; há que se fazer parte.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Quatro

Fiz 30 quatro meses atrás e esses quatro foram talvez os mais intensos dos 30
Ainda aos 29, um teaser chacoalhou tudo. De março a julho são quase 25 mil visualizações. 
Entre compartilhamentos e pedidos de amizade, alguns dos comentários mais importantes vieram de perto. Primos, tios, pai, mãe, irmã e amigos me emocionaram e ajudaram a espalhar Como seria? Nessa onda, ganhei três novos irmãos e uma segunda família no Rio. No último sábado, passei o dia com eles. Em agosto, finalmente, todos vão se conhecer.
Onda grande que me levou, com cortes, até o Encontro. O amigo da Fátima não podia xingar os que o chamaram de coitadinho às 10 da manhã!
Dia feliz esse em que, depois de aparecer na TV, um antigo projeto começou a ganhar vida. A série deve nascer em 2015.
Codirigi um, editei outro e fiz roteiro e montagem de um terceiro curta documentário. Até o final do ano a produtora deve finalizar mais três.
Luz Guia, o primeiro assinado pela SeuFilme, vai ser exibido no Rio de Janeiro, em agosto, depois de passar por Berna e pela Cidade do México.
Fui campeão brasileiro de escalada e percebi que, pelo menos por hora, o tempo de competir passou. Hoje à noite tem treino pra começar bem a semana!
Descobri que não há ninguém melhor do que eu na arte de se interessar por meninas enroladas com ex-namorados. Chorei na primeira. Na última, achei graça.
Como seria? ainda me fez ser reconhecido na rua. Me preparava pra descer do ônibus quando uma moça disse:
- Te vi na TV!
- É mesmo?! No Encontro da Fátima? - perguntei.
- Isso! Achei o máximo!
- Que bom que gostou!
- Quando entrei no ônibus e te vi, pensei "nossa! Ele é meu vizinho! Que legal!"
Nos despedimos. Eu ri!!  
Dei adeus também à ideia do teaser. Com música nova feita especialmente para ele, o agora curta está inscrito em diversos festivais. Vida longa ao filme! E um pouco mais de tempo para preparar o longa
É... que venham outros quatro como os que passaram!

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Como seria?

            Dias atrás, conversava com um amigo. Num dado momento disse não saber se a vida teria tanta graça caso não tivesse a paralisia cerebral que afeta minha coordenação motora. Depois de muito pensar a respeito, eu afirmo: Não, não teria a menor graça.
            Impossível dizer como seria. Certamente teria sido mais fácil começar a andar. Um grande colégio de Barra Mansa não teria achado difícil me ter como aluno. Poderia ter sido goleiro. Não teríamos gastado todo esse dinheiro com minha reabilitação. Andaria de skate, talvez. Não seria confundido com bêbados e doidões. Pode ser que tivesse mais desenvoltura e não travasse na hora de chegar nas meninas. Correria. Saltaria. Subiria em árvores. Faria um monte de outras coisas que toda criança faz. Mas não seria eu.
            Não teria feito papel de minhoca numa peça teatral no colégio. Não teria sido o centro das atenções quando cheguei com uma máquina de escrever elétrica para ser alfabetizado. Não conheceria meus terapeutas, pessoas tão importantes durante todos esses anos. Não saberia como é gostosa a sensação de fazer determinado movimento pela primeira vez. Não teria tido o prazer de mandar tomar no cu aquele que me chamou de coitadinho. Não teria demorado quase um ano pra tirar minha carteira de habilitação. Não riria dos que pensam que estou chapado de ecstasy, LSD e outras drogas. Possivelmente não escalaria. Não seria jornalista, editor, cinéfilo e tampouco documentarista. E não estaria embarcando nessa (muito boa) viagem a três que se chama SeuFilme Produções Audiovisuais LTDA.
            Não sei como seria. E não quero saber.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Lula entre atos

Todos observamos. Documentários dependem de longos períodos de observação. O documentarista testemunha um evento e dá ao espectador sua impressão, seu parecer sobre o que foi captado pelas lentes da câmera. Suas intervenções podem ser muito presentes como em Santiago, obra-prima de João Moreira Salles, na qual o diretor assumiu sua posição manipuladora da realidade. Seu grande mérito foi ter exposto aos espectadores a forma como dirigiu as filmagens em 1992 e sua reflexão, sua autocrítica, treze anos depois, sobre o modo como conduziu o filme.

Exemplos menos radicais de intervenção aparecem em filmes como Crônicas de um verão, de Jean Rouch e Edgar Morin, considerado o marco inicial do cinema verdade. Nele, os diretores usaram técnicas presentes no cinema direto, sequências encenadas e, assim, experimentaram várias formas de fazer o filme. No final, após uma projeção do documentário para as pessoas que tinham participado das filmagens, os diretores promoveram um debate onde todos expuseram suas opiniões sobre o que viram. Antes de acabar, Rouch e Morin ainda fizeram uma reflexão sobre o filme que tinham feito.

Em Primárias, de Robert Drew, filme expoente do início do cinema direto, as intervenções do realizador e sua equipe são as menores possíveis. As novas tecnologias da época permitiram a Drew experimentar novas linguagens. Partindo da ideia da ‘mosca na parede’, o diretor utilizou muitos planos-sequência e nenhuma música inserida na pós-produção, para acompanhar as prévias para a escolha do candidato do partido democrata que disputaria as eleições para a presidência dos EUA, em 1960.

Também um “filme de presidente”, Entreatos é, junto com outros documentários de João Moreira Salles como Nelson Freire ou a série Futebol, co-dirigida por Arthur Fontes, basicamente, um longa-metragem de observação. O diretor e sua equipe acompanharam os 33 dias anteriores à eleição de Lula para a presidência da república, em 2002. Numa análise superficial, diríamos que o longa se aproxima do cinema direto americano da década de 1960, estilo “fundado” pelo já citado Primárias, de Robert Drew.

Mas o que diferencia Entreatos dos outros é seu personagem principal, Lula. Figura carismática, o ex-presidente se apresenta e representa de uma maneira que poucas pessoas conheciam. Como disse Elio Gaspari em artigo publicado no site Observatório da Imprensa, em 16/11/2004, “Salles e Walter Carvalho, o bruxo da câmera, registraram coisas que os jornalistas políticos não perceberam ou não conseguiram expressar.”. Personagem e filme vão além, muito além dessa breve análise.

O que, a meu ver, engrandece Entreatos, é justamente seu corte final, a razão para seu titulo. Em entrevista publicada em novembro de 2004 e reproduzida no encarte do DVD do filme, Salles disse: “na edição, para a minha surpresa, percebi que o material público e o material privado tinham identidades muito diferentes. Não conseguiam conviver no mesmo filme”. Ao deixar de fora todos os momentos públicos (atos) da campanha, o documentário pôde mostrar um lado pouco conhecido dos que estavam envolvidos na corrida eleitoral, suas discussões e bastidores. “Não são momentos memoráveis para quem os viveu. (...) Se esses momentos ganham alguma importância, é por estarem inseridos numa narrativa, numa construção que é própria do documentário”, disse o diretor.

Aparece aí o Lula mais próximo daquilo que ele realmente é, o que não significa que o futuro (ex-)presidente não estivesse representando para as câmeras. Fernão Pessoa Ramos, em seu “Mas afinal... o que é mesmo documentário?”, diz que “...a presença da câmera e seu equipamento flexionam, em alguma medida, a atitude de Lula. Podemos vislumbrar, em diversos momentos do filme (...) a atitude exibicionista para a câmera provocada pela situação de tomada, tão comum em documentários de estilística direta.”. Walter Carvalho, em entrevista reproduzida no encarte do DVD, conta que “quando eu entrava com a câmera no camarim, por exemplo, ele [Lula] percebia e logo começava a conversar com alguém sobre um assunto que supunha ser interessante para o filme”. Nesse sentido, o diretor afirma não acreditar numa realidade intocada, inume à presença da câmera. Para ele, “teatro e verdade acontecem ao mesmo tempo. (...) A presença da câmera catalisa determinadas coisas, desperta nele [Lula] o desejo de falar sobre certos assuntos, o que é muito bom para o filme. (...) O que a câmera estimula não deve ser recusado sob a alegação de que é teatro. O teatro interessa.”. E esse “teatro” produz cenas memoráveis como a conversa, dentro de um jatinho, com José Alencar. A certa altura, Lula diz, ‘Aquele palácio [Alvorada] é triste porque o Fernando Henrique Cardoso nunca jogou bola. Ele não dança’. ‘Não bebe um gole’, emenda Alencar. ‘Não bebe um gole’, repete Lula.

O filme também possui vários momentos vazios, em que, a primeira vista, nada de importante acontece. Planos-sequência de longas conversas no avião, ou o trecho em que, se preparando para a gravação de um programa eleitoral, Lula diz que uma de suas maiores frustrações é não saber batucar. Momentos como esse, somados às sequências em que a equipe é percebida, afastam Entreatos do cinema direto mais ortodoxo.

No início do filme, Salles explica o contexto de produção, introduz o filme através de voice over. A equipe volta a “aparecer” quando, numa reunião de preparação para o debate do primeiro turno, na Rede Globo, José Dirceu, à época presidente do PT, pergunta, se dirigindo para a câmera, quem eram aqueles, o que faziam ali e se estavam gravando. Dirceu até então nada sabia sobre o documentário. “Ali pensei que o filme tinha acabado. (...) O momento era de fato muito sensível. Qualquer movimento do Walter Carvalho em direção, por exemplo, a um documento sobre a mesa poderia parecer um interesse especial por aquele documento. Felizmente conseguimos superar o imprevisto”, disse o diretor. Em outras sequências a diretora de produção, Raquel Zangrandi, aparece em quadro e Walter Carvalho interage com Lula no avião.

O momento menos “direto” do filme e também o único em que a montagem foge de sua estrutura cronológica acontece quando a equipe entrevista o que achavam ser um amigo de Lula, que havia pegado uma carona no avião que levava a equipe do filme de Florianópolis para Porto Alegre. Ao longo da conversa, o jovem se revela apenas um admirador do candidato que, depois de perder o voo, encontra Lula no saguão do aeroporto e pede a ele um abraço para salvar seu dia. Depois de uma breve prosa, é convidado a viajar no jatinho da equipe. No resto do filme a câmera permanece quase que oculta, apenas observando o que acontece.

O estilo “direto” do filme é também reforçado através da montagem de Felipe Lacerda. No osso, sem efeitos, os cortes dão ritmo próprio ao filme. O espírito observador das imagens captadas por Walter Carvalho é elevado à máxima potência no corte final de Entreatos. Em alguns momentos ’lenta’, com planos muito longos, a montagem nem por isso deixa o filme chato ou arrastado. O importante é perceber como essa já citada característica comum a alguns dos últimos documentários de João Salles, a presença de situações “mortas”, em que nada acontece, se tornam importantes dentro da narrativa fílmica. Fica clara a sensibilidade e sintonia de Walter Carvalho em relação àquilo que era capturado, em clima de guerrilha, por suas lentes. “A câmera seguia o Lula ininterruptamente, muitas fezes sem dar tempo de mudar o filtro, de bater o branco, etc. Tecnicamente, portanto, a fotografia de Entreatos é uma fotografia impura, mas as impurezas e a desconstrução técnica estão a serviço do filme”, disse, em entrevista, o fotógrafo.

Por tudo isso, Entreatos, ao mesmo tempo em que se aproxima do cinema direto de Drew, ganha uma dimensão maior ao usar, em sua montagem final, “ruídos” como a entrevista do carona no avião da equipe de filmagem, ou o momento de tensão com José Dirceu na reunião preparatória para o debate do primeiro turno das eleições de 2002. Ao contrário do que pensou João Salles, o incidente com Dirceu não significou o fim das gravações e no resto do filme a equipe pôde estar, aparentemente, em todos os lugares em que desejava. Quando não foram autorizados, como no dia do resultado do segundo turno, a câmera foi feita por terceiros. Foi Mariana, filha do então deputado federal Aloizio Mercadante, quem filmou os instantes que precederam a confirmação de que Lula era o novo presidente do Brasil. Já com Walter Carvalho na câmera, a cena final de “Entreatos” é um resumo do filme em todos os seus aspectos. O plano-sequência começa com Lula e um grupo de pessoas entrando no elevador do hotel. Walter hesita e, quando a porta está quase fechando, é chamado para dentro. O elevador desce até o andar térreo e todos saem. Lula se dirige ao saguão do hotel. A câmera o segue de perto quando é engolido por um mar de repórteres, microfones e equipes de TV. Depois de filmar a luta de Lula para se livrar da turba, Walter lentamente se afasta e o presidente eleito desaparece no meio dos jornalistas e o filme termina em um lento fade out da imagem. Tensão, guerrilha, momentos vazios e de extrema sensibilidade, juntos, num mesmo plano. Entreatos é isso.